Alexandria, Escola Cristã de



IV. ALEXANDRIA (Escola Cristã de).

I. Dados históricos. A época e o meio.

II. A teodiceia alexandrina.

III. O alegorismo das Escrituras como consequência da teodiceia alexandrina.

IV. Os fundamentos da moral. Antropologia.

V. Primeiras concepções de uma síntese teológica. Relações entre fé e razão.

VI. Primeiros esboços de uma exposição sistemática dos mistérios. A teologia do Verbo.

I. DADOS HISTÓRICOS. A ÉPOCA E O MEIO.

1. A Escola e seus Mestres. Exposição Cronológica.

a) A Escola. — Segundo uma antiga tradição (Eusébio, H.E., II, 16, P.G., t. XX, col. 173; São Jerônimo, De viris illustribus, VIII, P.L., t. XXIII, col. 654), o evangelista São Marcos teria fundado a Igreja de Alexandria. O cristianismo progrediu rapidamente ali, tornando a cidade a metrópole do Oriente cristão e letrado. Na antiga capital dos Ptolemeus, abundavam os recursos de uma cultura científica avançada, sendo um centro intelectual onde se encontravam influências orientais e ocidentais. Desde cedo, segundo Eusébio (H.E., V, 10, P.G., t. XX, col. 453), existiu uma instituição escolar chamada Escola dos Catecúmenos (tēs katēchēseōs didaskaleion, H.E., VI, 3, P.G., t. XX, col. 528 e seguintes). Na segunda metade do século II, essa escola adquiriu grande importância e tornou-se um verdadeiro centro de teologia científica.

Tudo indica que essa escola era ligada à Igreja. O bispo intervinha na nomeação e destituição de seus dirigentes, e ela possuía um caráter oficial ou semi-oficial. Assim, parece ser a primeira instituição desse tipo, mantendo laços estreitos com a Igreja, ao contrário das escolas de Justino, Taciano e outros, que eram mais privadas (Harnack, Realencyclopädie für protestantische Theologie, 3ª ed., Leipzig, 1896, verbete Alexandria).

Na época de Orígenes, a organização parece ter sido bastante rudimentar. Não havia um local fixo; as reuniões ocorriam na casa do mestre, em horários variados. Não existiam salários fixos, apenas doações privadas — pelo menos nesse período primitivo dos séculos II e III. Um rico patrono, Ambrósio (*ver Mgr Batiffol, Anciennes Littératures chrétiennes, La Littérature grecque, Paris, 1897, p. 182), sustentava um grande número de escribas para Orígenes: "Sete taquígrafos ou mais se revezavam para escrever sob seu ditado; havia também muitos copistas e jovens treinadas em caligrafia" (Eusébio, H.E., VI, 23, P.G., t. XX, col. 676).

O público da escola era muito diversificado: incluía estudantes de todas as condições e idades, tanto pagãos quanto catecúmenos e cristãos batizados. No Panegírico, São Gregório, o Taumaturgo, nos dá uma ideia do currículo: uma vasta enciclopédia onde o aprendizado começava com uma formação geral nas ciências e depois seguia para o estudo e comentário das obras dos poetas e filósofos de todas as escolas. Apenas os epicuristas eram excluídos. Platão e Aristóteles eram altamente estimados. A preocupação moral permeava e dominava todo o ensino, e o esforço geral parecia convergir para a dialética — entendida aqui como o método de distinguir e definir as noções fundamentais da moral e da religião.

b) Os Mestres. — A escola era dirigida por um chefe, às vezes assistido por um coadjutor. Sucessivamente, ocuparam esse cargo: Panteno (eventualmente auxiliado por Clemente), Clemente, Orígenes (com o auxílio de Heraclas), Heraclas e Dionísio, depois, provavelmente, Teognosto, Piero, Serapião, Pedro, Macário (?), Dídimo e Rodon. A crítica atual rejeita o testemunho de Filipe de Side, que afirmava que Atenágoras teria precedido Panteno. Sabemos pouco sobre Panteno. Segundo Eusébio (H.E., V, 10, P.G., t. XX, col. 453), ele era um estóico convertido, que passou algum tempo propagando o cristianismo nas Índias. Clemente, que se apresenta como seu discípulo (Hypotyposeis, citado em Eusébio, H.E., VI, 13, P.G., t. XX, col. 548), menciona em seus Stromates (I, 1, P.G., t. VIII, col. 700): "Desses homens santos e dignos de toda admiração, que tive a felicidade de ter como mestres, um era da Grécia, um jônio; dois estavam na Grande Grécia, um da Celessíria, outro do Egito; dois outros no Oriente, um assírio e outro um hebreu da Palestina. Mas aquele que encontrei por último e que foi o primeiro em valor, estava escondido no Egito, e não procurei mais ninguém depois dele." Esse último parece ser Panteno.

Provavelmente nascido em Alexandria e convertido do paganismo, Clemente sucedeu seu mestre por volta de 190. Orígenes, inicialmente seu discípulo, o substituiu durante a perseguição de Sétimo Severo. Nesse período, Clemente parece ter deixado Alexandria definitivamente. Ele morreu por volta de 215. Clemente escreveu diversas obras, das quais ainda possuímos: Protréptico (exortação aos gregos), Pedagogo, Stromates (tapetes), O breve tratado Quis dives salvetur? (Que rico será salvo?). Ver CLEMENTE DE ALEXANDRIA.

Seu sucessor, Orígenes, levou ao mais alto grau a fama da escola catequética. Com apenas dezoito anos, já era seu líder. Após dois períodos de ensino, entre os quais ocorreu uma visita a Roma e uma primeira estadia em Cesareia da Palestina (215), Orígenes voltou a Cesareia e fez uma viagem até Atenas. Quando retornou a Alexandria (231), Demétrio o destituiu. Ele se retirou para Cesareia da Capadócia e, preso durante a perseguição de Décio, morreu em Tiro, em 253, devido aos maus-tratos sofridos. Sua atividade literária foi incomparável. Ver ORÍGENES.

Em 231, Héraclas o sucedeu. Mas foi substituído, na função de catequista, por Dionísio, discípulo de Orígenes e convertido por ele. Profundo erudito e notável filósofo, o novo líder da escola frequentemente seguiu as tradições de seu mestre, tanto quanto podemos saber pelos fragmentos preservados. Ele enriqueceu a Sé episcopal de Alexandria (248-264). São Basílio lhe dá o título de Grande (Epist., CLXXXVIII, P.G., t. XXXII, col. 668). Seus sucessores foram provavelmente Teognosto e Piero, segundo Fócio e Apologia para Orígenes. Ver Mgr Batiffol, Anciennes Littératures Chrétiennes; La Littérature Grecque, p. 184-185, Paris, 1897. No decorrer do século IV, a escola parece perder sua importância e desaparecer gradualmente, apesar do brilho momentâneo lançado pelo cego Dídimo, prodígio de ciência enciclopédica, cuja reputação atraiu a Alexandria Rufino e Jerônimo. Os Padres Capadócios assumem, em sua dogmática, a herança intelectual dos Alexandrinos e perpetuam seus elementos verdadeiramente tradicionais.

Recentemente, propôs-se incluir, sob a designação geral de Escola de Alexandria, alguns teólogos do final do século IV e do século V; o mais importante deles é São Cirilo de Alexandria. Seu caráter comum, segundo a recente crítica alemã, seria "terem se colocado em oposição à Escola de Antioquia e terem sido os pais do monofisismo, assim como da interpretação antinestoriana do Concílio de Calcedônia, e, dessa forma, terem sido os instigadores intelectuais (Die geistigen Urheber) das decisões do III e do V Concílio". Harnack, Realencyclopädie, 3ª ed., Leipzig, 1896, artigo Alexandria. A formação desse grupo e sua vinculação à escola catequética supõem perspectivas sistemáticas adicionadas ao ponto de vista puramente histórico; não podem ser consideradas como a expressão de fatos positivos adquiridos pela ciência. Ver CIRILO (São) DE ALEXANDRIA.

II. O MEIO E AS DOUTRINAS PREDOMINANTES

1° Tendências idealistas, ecléticas e morais da época. Transcendência e imanência.

No mundo pagão, ocorria então um vasto processo de dissolução e reconstituição. Dissolução das antigas crenças, universalmente abaladas pela crítica dos céticos e sofistas; desaparecimento ou decadência dos antigos sistemas filosóficos — pitagorismo, platonismo, aristotelismo: estoicismo, epicurismo e ceticismo disputavam sua sucessão. Mas também havia tentativas de reconstituição: tendências idealistas e tendências ecléticas.

Os traços gerais do grande movimento idealista no século II, segundo Zeller (Philosophie der Griechen, t. III b, p. 251), são: uma oposição dualista entre o elemento divino e o elemento terrestre; um conhecimento da divindade sempre envolto em abstração; um desprezo pelo mundo sensível, ligado às doutrinas platônicas da matéria e da descida das almas nos corpos; a hipótese de forças intermediárias, pelas quais a atividade divina alcança o mundo fenomenal; a busca de um ascetismo libertador da sensualidade; a crença em revelações de um misticismo entusiasta. Podemos resumir todas essas características em duas principais, as mais importantes e frequentemente atribuídas ao neoplatonismo, que geram logicamente todas as outras: transcendência e dualismo.

1. Transcendência da divindade: ela é absolutamente abstrata, ou seja, absolutamente indeterminada, pois nenhuma perfeição — ou seja, nenhuma determinação reconhecida nas criaturas — pode lhe convir: nem as perfeições de ordem corporal, nem mesmo as de ordem espiritual.

2. Dualismo do mundo espiritual e do mundo corporal: na tradição platônica, o segundo é concebido como a imagem do primeiro; mas, mais frequentemente, e sobretudo sob a influência de doutrinas orientais, o mundo corporal é visto como um princípio de decadência e imperfeição.

Além disso, esse idealismo é essencialmente eclético, pois o ecletismo era um método universalmente aceito e praticado no decorrer do século II. Apoderava-se dos fragmentos dos antigos sistemas e tentava utilizá-los com discernimento para novas construções. Assim procediam os judeu-alexandrinos, os neopitagóricos (como Apolônio de Tiana e Moderato de Gades, no tempo de Nero), os platônicos ecléticos (Calvício Touro, Ático, o médico Galeno, Numênio de Apameia e Celso, o adversário do cristianismo, cuja Alegação Verdadeira (Ἀληθὴς λόγος) parece ter sido composta por volta de 178), sobretudo os neoplatônicos da escola de Alexandria, e, mais tarde, os da escola síria e da escola de Atenas. Eles se inspiravam tanto no Oriente quanto na Grécia. A influência oriental, que fornecia ora a matéria, ora a forma das novas doutrinas e instituições, é essencialmente característica desse período (Ritter, Geschichte der Philosophie, t. IV, § 414). No entanto, ela não basta para explicar completamente suas tendências. É necessário levar em conta causas mais internas: disposições psicológicas e morais inspiradas pela decadência da antiga ordem e pelo pressentimento de uma renovação (Zeller, Philosophie der Griechen, 3ª ed., t. III, p. 70).

Assim, todas essas tentativas de reconstrução eclética possuem um caráter comum. São inspiradas pela preocupação com o moralismo e guiadas por suas exigências. Esse idealismo não é uma doutrina puramente especulativa. Busca restaurar as crenças desaparecidas e geralmente se propõe um objetivo prático. Ele quer a religião para a moral, ou seja, para o aperfeiçoamento do homem, sua elevação e sua purificação.

Fora do ecletismo idealista, os estóicos são os representantes mais decididos dessa tendência moral e prática, especialmente no período entre Cícero e a era dos Severos. Contudo, apesar da elevação de seu objetivo moral, o estoicismo é comprometido pela insuficiência e falsidade de suas doutrinas especulativas. No plano dogmático, todo o sistema repousa sobre uma física materialista, e o ideal moral não pode se separar dela. Deus se confunde com o mundo, do qual é a alma; a teodiceia não passa de uma cosmologia; entre o imaterial e as qualidades sensíveis, a distinção se torna cada vez mais sutil e imperceptível quando examinamos de perto a filosofia dos estóicos.

Sua filosofia é uma filosofia da imanência. Como tal, apesar do esforço moral em comum, ela se opõe a todos os sistemas descritos anteriormente, que expressaram uma filosofia da transcendência. A filosofia da transcendência relegava Deus a uma distância inacessível; a filosofia da imanência o identificava com o finito e o criado. Ambas comprometiam as verdades religiosas essenciais e a moral, das quais são interdependentes. O ecletismo, desprovido de qualquer princípio regulador, degenerava em um oportunismo conciliador, e a tentativa de reconstrução fracassava por todos os lados.

2° O sincretismo alexandrino. Gnose e neoplatonismo.

Alexandria nos aparece como o centro mais ativo desses movimentos intelectuais e dessas aspirações morais. Mestres e discípulos, vindos de todas as partes, se dedicavam ao estudo das doutrinas filosóficas e gnósticas, orientais, judaicas e cristãs. Isso resultava em uma promiscuidade de ensinamentos muito distintos e na fusão de públicos variados, animados por um espírito comum de tolerância e conciliação. Nesse entrelaçamento de doutrinas, é preciso distinguir especialmente o gnosticismo e o neoplatonismo.

A gnose elaborava, sob uma forma particularmente oriental, a fusão de elementos tomados da Grécia e do Oriente. Sua origem é incerta; Egito e Síria reivindicam sua parte. O que se pode afirmar com certeza é que, em Alexandria, a gnose atingiu seu ponto mais alto de desenvolvimento e fama. Por volta do ano 125, o sírio Basílides se estabeleceu nessa cidade; Valentino parece ter nascido ali na mesma época. As doutrinas de ambos adquiriram no Egito um prestígio atestado por toda a literatura dos séculos II e III.

A gnose buscava resolver, à sua maneira, o problema idealista e religioso. Um de seus principais conceitos era a ideia abstrata e misteriosa de um Deus indeterminado. Os historiadores da filosofia apontam essa ideia como algo estranho ao pensamento grego e mais característico da influência oriental. Essa indeterminação divina excluía todas as qualidades que reconhecemos nas coisas criadas. Às vezes, o Deus gnóstico era visto como a semente homogênea da qual, por diferenciação evolutiva, surgiria a diversidade do cosmos (evolução ascendente). Mas, com mais frequência, era concebido como o Ser Supremo e inominável, de quem se desprendia, por quedas e degradações sucessivas, o fluxo das criaturas (emanação descendente). Era a doutrina da transcendência levada ao seu extremo mais absoluto. A divindade permanecia em um afastamento inacessível, no topo das criações. Entre ela e o mundo, organizava-se uma hierarquia de inúmeros intermediários, seres que representavam todos os graus possíveis de perfeição decrescente. Para explicar metafisicamente essas nuances, recorria-se à matéria, princípio da multiplicidade, da imperfeição e do limite, oposto ao princípio supremo da unidade e da perfeição. Essa visão servia de base para uma moral determinista e materialista, cujos traços lembram a física dos estóicos, impregnada de fatalismo.

No entanto, de forma geral, estocismo e gnosticismo se opunham em um aspecto fundamental. Enquanto a teodiceia estóica ensinava um Deus imanente ao mundo, o gnosticismo, na maior parte das vezes, ensinava a doutrina de um Deus transcendente ao mundo. Por isso, o gnosticismo reproduzia, pelo menos superficialmente, os principais traços do idealismo descrito anteriormente: transcendência exagerada a ponto de se tornar agnosticismo, emanação panteísta preservando a continuidade entre Deus e o mundo, dualismo cosmológico, etc.

O neoplatonismo, em paralelo ao cristianismo, reagiu contra a gnose. Assim como ela, defendia a doutrina da transcendência, mas, ao mesmo tempo, criticava a gnose pela excessiva multiplicação das emanações divinas, pela confusão frequente entre os elementos espiritual e sensível e, sobretudo, pelo seu pessimismo dualista. Apesar de suas elevadas inspirações, o neoplatonismo foi incapaz de restaurar a filosofia e a religião. Não é o momento de examinar as razões dessa incapacidade, sua influência doutrinal e moral, nem suas relações com o pensamento cristão. Para mais detalhes, ver PLATONISMO.

III. MISSÃO DA ESCOLA CRISTÃ DE ALEXANDRIA

DIANTE DESSAS DOUTRINAS FILOSÓFICAS E FRENTE AO GNOSTICISMO

A verdadeira reação contra o gnosticismo veio do cristianismo, tanto no domínio da razão quanto no domínio da fé. Essa reação é precisamente a razão de ser da escola cristã de Alexandria; por isso, compreendemos seu lugar na história do desenvolvimento teológico e seu papel providencial nas primeiras tentativas de um ensino tradicional. Assim, o historiador do dogma deve se posicionar sob um ponto de vista antitético, ou seja, considerar o erro ou o conjunto de ideias que, em um momento específico, exigiram novos desenvolvimentos doutrinários e novas definições. Esse ponto de vista é necessário e frequentemente utilizado para compreender a evolução da doutrina cristã.

De fato, os diversos movimentos do desenvolvimento teológico se explicam pelas exigências do meio e pelas necessidades da controvérsia. Não se pode entender com exatidão um movimento de ideias sem considerar atentamente o ponto de vista antitético, nem compreender plenamente o autor ou a escola onde ele encontrou expressão. Além disso, como os diversos testemunhos da tradição apresentam, aos olhos do teólogo, significados e autoridades desiguais, essa significação e essa autoridade são particularmente determinadas pelo ponto de vista antitético, ou seja, pela missão providencial do homem ou da escola, do apologista ou do doutor, no contexto histórico específico e no meio intelectual particular. Ver em Hurter, Theolog. general., Innsbruck, 1880, t. I, n. 225, a noção do triplo desenvolvimento: histórico, modal e antitético. Ver também A. de la Barre, S. J., La vie du dogme catholique, Paris, 1898, p. 181.

A escola cristã de Alexandria teve de reagir contra as seitas filosóficas que acabamos de descrever. É essa reação que deve caracterizá-la. No início do século III, em meio ao movimento universal de dissolução e reconstrução, onde se debatiam as questões fundamentais da religião e da moral naturais, a teologia cristã precisava afirmar suas bases primitivas (aquelas que hoje reunimos sob o nome de apologética ou teologia fundamental) e apresentá-las ao mundo sob a égide da revelação. Deveria fazê-lo com a autoridade de uma tradição sobrenatural, não apenas como um ensino filosófico, mas também como uma doutrina teológica.

Ela cumpriu essa missão. Assim se deu a reação contra o gnosticismo. No domínio da razão, o cristianismo teve de aceitar a filosofia da transcendência, evitando, no entanto, seus excessos. Para isso, afirmou: Um Deus superior a todos os graus do ser (transcendência ontológica);  Um Deus superior a todas as categorias do pensamento (transcendência lógica). Essas foram as teses mais marcantes da teodiceia alexandrina, que apresentaremos brevemente a seguir.

Se foi necessário acentuá-las para reagir contra o estoicismo e o antropomorfismo, a escola soube, ainda assim, evitar os excessos do agnosticismo. Deus não foi relegado a um afastamento inacessível, à região do puro indeterminado, ao abismo sombrio dos gnósticos emanatistas, discípulos de Valentino.

Por isso, os próprios alexandrinos insistiram: Na presença de Deus, íntima a todos os seres, perfeitamente conciliável com sua transcendência ontológica; No conhecimento de Deus por meio das criaturas (ambas as verdades afirmadas também pela Escritura Sagrada). O domínio da razão também inclui um conjunto de verdades antropológicas e morais. Foi contra o materialismo gnóstico, contra certas formas de panteísmo materialista (identificáveis nos estóicos) e contra o epicurismo pagão que os alexandrinos reafirmaram com força os princípios fundamentais sobre a alma humana, sua dignidade, sua liberdade, seus deveres individuais e sociais e seu destino imortal.

Além disso, o gnosticismo reivindicava para si o papel de síntese universal. Buscava conciliar todas as tendências ou, mais exatamente, tentava construir um sistema isento de contradições, conforme as aspirações ecléticas da época. Os primeiros apologistas tiveram de adotar um programa semelhante. Inserido nessa fermentação intelectual como um princípio de vida mais poderoso que as religiões decadentes e as escolas filosóficas cada vez mais incertas, o cristianismo trouxe ao mundo uma revelação sobrenatural. No entanto, essa revelação não estava isolada da ordem das verdades naturais. Ele pretendia integrar essas verdades no sólido quadro de seu ensino tradicional. Ao aproximá-las das verdades supra-racionais, sem confundi-las, realizava uma síntese completa.

Ao propor o duplo ensino da razão e da fé, o magistério cristão proclamava sua unidade primordial em Deus, autor e fonte de toda a ordem inteligível. Além disso, usava a razão como instrumento para expor a fé. Em resumo, a tradição devia, por um lado, propor e defender as verdades racionais e, por outro, aproximá-las da verdade sobrenatural que oferecia ao mundo, formando assim um todo coerente. Pelo menos, era necessário indicar a possibilidade de um arranjo, uma conciliação, uma coerência qualquer. "O difícil em Alexandria não era ser conciliador, mas sê-lo na justa medida, combinando a teologia desenvolvida pelos filósofos judeus ou gregos com a tradição apostólica sobre Cristo, sem violentar ou desfigurar essa tradição." Denis, La philosophie d’Origène, p. 7.

Tais foram, em seus traços essenciais e em seus resultados mais sólidos e duradouros, as contribuições da escola catequética. Essa obra, aliás, não foi um evento anômalo ou episódico no mundo cristão. Pelo contrário, faz parte de um movimento geral que marcou os últimos anos do século III e a primeira metade do século IV. Nessa época, Roma, Edessa, Cesareia e Antioquia surgem como centros de intensa atividade teológica, exegética e apologética. Alguns nomes destacam essa evolução científica do pensamento cristão: em Roma, Hipólito e Caio; no Oriente, Júlio Africano, Alexandre de Jerusalém e, um pouco mais tarde, Firmiliano de Cesareia, Anatólio de Laodiceia, entre outros. Os apologistas da geração anterior, como Justino e Irineu, haviam sido os precursores desse movimento. No entanto, o período atual parece se distinguir por um caráter especial de desenvolvimento intelectual e cultivo intensivo da doutrina cristã. Ver M. Batiffol, Anciennes littératures chrétiennes (La littérature grecque: Seconde période, d’Hippolyte de Rome à Lucien d’Antioche). Ver também Harnack, Lehrbuch der Dogmengeschichte, t. 1, p. 591: Die alexandrinische Katechetenschule.

É verdade que essa evolução e essas tentativas diversas encontraram, aqui e ali, desconfianças e resistências. Alguns espíritos mais tímidos questionavam o propósito dessa incursão da ciência profana na ciência eclesiástica. Houve, portanto, hesitações, recriminações e disputas, ora sutis, ora abertas. Tal era o estado de espírito daqueles que Clemente chamava de simples, e sobre os quais os Stromates nos deixaram revelações curiosas.

A obra de Clemente e Orígenes, de Hipólito e Luciano, foi realizada apesar de tudo. Eles não conseguiram evitar todos os desvios. Seu gênio conheceu momentos de fraqueza. Mas a obra superou os obstáculos e sobreviveu. Prosseguiu após o desaparecimento dos grandes iniciadores, tornando-se a obra da tradição cristã, impulsionada por grandes bispos e doutores, dirigida e moderada por grandes papas.

II. A TEODICÉIA ALEXANDRINA – A TTRANSCEDÊNCIA DIVINA

A teologia cristã sempre reconheceu um duplo procedimento: por um lado, a negação, que marca a transcendência do Ser divino ao lhe recusar as perfeições limitadas das criaturas, ou pelo menos ao corrigi-las (ver Agnosticismo, Analogia, Eminência); por outro lado, a afirmação, que alcança o mesmo resultado ao reconhecer nele perfeições análogas e sobreeminentes. Clemente e Orígenes insistiram muito nessa doutrina, devido às preocupações da época e às necessidades da controvérsia. Clemente adotou mais o ponto de vista negativo; Orígenes, o ponto de vista positivo.

1º Clemente de Alexandria

Entre outras passagens características, o capítulo XII do quinto livro V dos Stromates é célebre por sua doutrina da teologia negativa e da incompreensibilidade divina que dela resulta. Ver Petau, Theologica Dogmata, I, cap. V, n. 6, que cita notáveis testemunhos da tradição sobre esse assunto. Ver também Ginoulhiac, Histoire du Dogme Catholique, I, cap. VII. Clemente foi muito criticado por essa doutrina. Já na Histoire Critique de l’École d’Alexandrie, parte IV, cap. 1 (Méthode des Alexandrins, Analyse), Vacherot apontava essa doutrina como uma importação estrangeira e um dos excessos característicos do método alexandrino. Ele a identificava nos escritos areopagíticos como "o monumento mais completo e mais curioso da influência do neoplatonismo sobre a teologia cristã" (ibid., III, p. 23) e na metafísica de São Boaventura (ibid., p. 135 e seguintes).

Muitos críticos posteriores retomaram esse ponto. Por exemplo, Bigg, em The Christian Platonists of Alexandria, Oxford, 1886, p. 61-65, afirmava que essa era "uma concepção essencialmente pagã". O resultado, segundo ele, era um conceito abstrato e ilusório, uma força de que não se pode dizer nem que existe nem que não existe. M. Fouillée também insistia nessa questão, vendo nela um sinal de identidade entre a teologia patrística e as doutrinas hegelianas ou místicas dos neoplatônicos (La Philosophie de Platon, Paris, 1889, III, Histoire du Platonisme et de ses Rapports avec le Christianisme, l. IV).

Respostas às Críticas

A essas acusações, é preciso opor uma resposta tripla:

1º Essa doutrina não constitui uma alteração do dogma nem uma importação estrangeira.

2º Ela se explica pelas necessidades da controvérsia.

3º Encontra um corretivo na doutrina da possibilidade de conhecer Deus por meio das coisas visíveis e do uso da razão, defendida pelo próprio Clemente.

Em primeiro lugar, é incorreto considerar essa doutrina um ponto de vista puramente filosófico, totalmente alheio à tradição. Pelo contrário, o ensino tradicional, patrístico e escolástico sempre a considerou uma interpretação legítima das Escrituras: "Ninguém jamais viu a Deus" (João 1,18); "Ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo" (Mateus 11,27). Ver Franzelin, De Deo Uno, seção II, tese X.

Além disso, a terminologia criticada não é exclusiva dos alexandrinos nem representa uma corrente isolada na história teológica. Vários adversários da doutrina reconhecem isso e até se empenham em demonstrá-lo. Trata-se de uma doutrina expressamente autorizada pelos escritos areopagíticos, pela escola de comentadores e místicos que a seguem, por São Tomás e por toda a escolástica medieval. Aliás, o simples fato de ter emprestado certas ideias e fórmulas antigas não basta para caracterizar uma alteração do dogma católico – é preciso repetir isso incansavelmente.

Em segundo lugar, essa terminologia se justifica pelas necessidades da controvérsia. Para compreendê-lo, basta lembrar a descrição anterior do ambiente intelectual da época, especialmente as tendências próprias da filosofia estoica, uma filosofia da imanência. O esforço comum de Orígenes e Clemente foi dirigido contra essa filosofia.

Em terceiro lugar, Clemente forneceu o corretivo necessário ao ensinar claramente a doutrina complementar: Deus pode ser conhecido pela razão por meio das coisas visíveis. Isso será abordado mais adiante.

2° Orígenes

Orígenes também se dedicou a fazer aceitar a transcendência do Ser divino. Foi levado a isso pela necessidade de combater não apenas os erros epicuristas e estóicos, mas também os erros antropomórficos que se espalhavam então na Igreja de Alexandria. Ver Comentário sobre João, tomo XIII, Patrologia Graeca, t. XIV, col. 433, nota 433, relativa a todas as escolas que materializavam a divindade: οἱ δόξαντες εἶναι σῶμα τὸν Θεόν ("os que pensavam que Deus era um corpo"). Ele não se limita a repetir de forma geral que Deus é superior a todo ser finito, seja criatura intelectual ou essência de qualquer ordem: "Quando, portanto, dizemos que o Deus do universo, Deus simples, invisível, incorpóreo, é uma inteligência ou algo ainda mais elevado que a inteligência e a essência…" (νοῦν ἢ ἐπέκεινα νοῦ καὶ οὐσίας). (Contra Celsum, l. VII, n. 38, P.G., t. XI, col. 1473).

Ele insiste especialmente na transcendência de Deus em relação à matéria sensível e visível. Afirma constantemente que Deus não é corpóreo, explicando em que sentido Ele é um espírito e em que sentido palavras originalmente destinadas a expressar coisas materiais, como luz, fogo e vida, podem ser usadas para falar de Deus. Ver, nesse contexto, o início do De Principiis, l. I, c. 1, P.G., t. XI, e o Comentário sobre São João, P.G., t. XIV, col. 433. Este último trecho é um dos que melhor ilustram suas preocupações polêmicas:

"Como há muitas doutrinas diferentes sobre a divindade – uns a considerando uma natureza corpórea, sutil e etérea, outros a querendo incorpórea e, por fim, alguns a vendo como transcendente por sua prioridade de origem e por seu poder (ὑπερέκεινα οὐσίας καὶ δυνάμεως) –, parece-nos apropriado verificar se as Escrituras divinas nos autorizam a dizer algo sobre a natureza de Deus. Aqui, nos é dito que o espírito é, de certo modo, sua essência (δέδεικται οἷον οὐσίαν εἶναι αὐτοῦ τὸ πνεῦμα): 'Deus é espírito'. No livro da Lei, é dito que Ele é fogo, pois está escrito: 'Nosso Deus é um fogo consumidor'. Para São João, Ele é ainda uma luz: 'Deus é luz', nos diz ele, 'e nele não há trevas'. Se nos contentarmos apenas com descrições, sem buscar ir além da letra, será muito simples dizer que Deus é um corpo. Mas, no entanto, poucos serão os que perceberão o absurdo das consequências a que essa opinião nos levaria – bem poucos, de fato, se preocuparam com a natureza dos corpos."

Tais são os traços mais salientes da doutrina da transcendência entre os cristãos alexandrinos. Dissemos que essa doutrina continuou na teologia subsequente. Ela já existia em Filon. Mas não se pode identificar o ponto de vista deste último com o de Clemente, muito menos com o de Orígenes, que sabe compensar e corrigir amplamente as fórmulas da teologia negativa com as da teologia positiva. Pelo contrário, esse último ponto de vista é absolutamente predominante em Filon.

II. DEUS PRESENTE NO MUNDO E ACESSÍVEL AO CONHECIMENTO.

Os cristãos alexandrinos, embora enfatizando a transcendência, souberam evitar os exageros neoplatônicos e gnósticos. Eles professaram que Deus é: 1º Intimamente presente às suas criaturas por sua imensidade. 2º Acessível à inteligência humana, que o reconhece em todas as criaturas.

1° Deus presente no mundo

Os alexandrinos, como toda a tradição patrística, conheceram e proclamaram essa doutrina. Ver Petau, Theologica Dogmata, De Deo, l. III; Thomassin, Theologica Dogmata, t. I, l. V; de San, S.J., Tractatus de Deo Uno, Louvain, 1894, t. I, p. 310 e seguintes. Alguns afirmaram que Clemente teria defendido a tese oposta, baseando-se em certas passagens dos Stromates. No entanto, outros trechos são claros em favor da presença divina, tal como os teólogos sempre a entenderam. Os textos incriminados podem ser explicados se levarmos em conta a controvérsia anti-estóica. Ver de San, loc. cit.

2° Deus acessível ao conhecimento

1. Clemente de Alexandria – A doutrina de Clemente, neste ponto, corrige suas formulações negativas. Ela é exposta em várias passagens, especialmente no primeiro livro dos Stromates. Ver capítulo XIX, P.G., t. VIII, col. 806, onde se mostra que os filósofos gregos tiveram um conhecimento certo, embora confuso e enigmático, da divindade. Essa dissertação surge a partir do discurso de São Paulo no Areópago e de sua alusão ao Deus desconhecido. Ver ainda Stromates, l. VI, c. XVII, P.G., t. IX, col. 380 e seguintes, onde se afirma que a filosofia não proporcionou um conhecimento perfeito de Deus, mas foi, no entanto, um auxílio providencial.

2. Orígenes – Embora Orígenes tenha se expressado de forma forte e insistente sobre a transcendência divina, essa doutrina não o impediu de reconhecer, nas obras da providência, uma manifestação das perfeições de Deus: "Segundo a verdade, Deus é absolutamente incompreensível. Mas disso não se deve concluir que nada podemos compreender sobre Ele: assim como nossos olhos são fracos demais para olhar diretamente para o sol, mas podem perceber alguns de seus raios, também as obras da providência e a ordem que reina no universo são como raios da natureza divina. Nossa inteligência, não podendo, por si mesma, ver Deus tal como Ele é, concebe, através da beleza de suas obras e dos ornamentos das criaturas, o Pai do universo." (Princ., l. I, c. I, n. 6, P.G., t. XVI, col. 124).

III. O ALEGORISMO ESCRITURÍSTICO COMO CONSEQUÊNCIA DA TEODICÉIA ALEXANDRINA

A tese da transcendência reaparece, portanto, no fundo das considerações que Orígenes expõe contra os estóicos e os antropomorfistas. Ele deveria acolhê-la e empregá-la com ainda mais entusiasmo, pois, de um lado, estava predisposto a isso pelo platonismo e, de outro, era fácil confundir essa tese, propriamente filosófica e dogmática, com uma tese mais exegética, fornecida pela tradição: a tese do simbolismo escriturístico. Expliquemos esses dois pontos importantes.

1° O simbolismo dos fatos contingentes como consequência da teodiceia alexandrina

No pensamento platônico, destacam-se especialmente (ver Zeller, Philosophie der Griechen, t. III b, p. 251, citado acima):

1. A concepção do elemento sensível como algo inferior, desprovido de realidade ou, ao menos, cuja realidade depende inteiramente de um elemento superior;

2. A oposição dualista resultante da concepção dos dois mundos (κόσμος αἰσθητός, κόσμος νοητός). Neste momento, pouco importa se Orígenes foi um platonista de formação, conhecendo e empregando rigorosamente a terminologia da Escola, ou se devemos ver em seus desenvolvimentos poéticos um reflexo mais ou menos consciente das doutrinas do ambiente. (Denis, La Philosophie d’Origène, Paris, 1884, p. 60).

O fato é que o uso habitual dessas concepções favorecia a tese da transcendência e poderia levar à sua exageração, ou seja, à doutrina de um Deus absolutamente indeterminado, sem qualquer traço de semelhança com a criatura. Para evitar esse risco, era necessário insistir em outra verdade, frequentemente intuída pela escola platônica, mas da qual os neoplatônicos não souberam tirar consequências úteis: a de que o mundo sensível é uma imagem do mundo espiritual. Essa verdade, aliás, é proclamada pela Escritura: "As coisas invisíveis de Deus, desde a criação do mundo, tornam-se perceptíveis e compreendidas por meio das coisas que foram feitas." (Romanos 1,20)

Infelizmente, os alexandrinos habituaram-se a ver em todos os objetos sensíveis – e, por extensão, em todo acontecimento histórico – apenas um símbolo sem realidade ou, pelo menos, um símbolo cuja realidade histórica era menos objetiva que a realidade superior, de ordem supra-sensível, da qual era uma figura. Para eles, por uma inclinação insensível do espírito, tudo o que era real e histórico tornava-se símbolo. Às vezes, tornava-se exclusivamente símbolo, ou seja, era permitido negar ao elemento histórico qualquer outro valor além do representativo.

2° O alegorismo escriturístico unindo ao simbolismo os fatos contingentes

Preparados para essa concepção pelos hábitos da metafísica platônica e conduzidos sem discernimento às suas últimas consequências, os alexandrinos facilmente confundiram essa tese metafísica exagerada com uma tese exegética afirmada pela Escritura e pela tradição: a ideia de que os personagens e eventos do Antigo Testamento eram figuras das realidades superiores que se cumpriam no Novo. Mas, para identificar a tese metafísica com a exegética, era preciso exagerar a extensão da segunda da mesma forma que se forçaram as consequências da primeira. Passou-se, então, a buscar pacientemente e a descobrir sutilmente uma alegoria em cada detalhe da Escritura, pois todo fato do Antigo Testamento deveria ser a imagem – e apenas a imagem – de uma realidade pertencente ao Novo.

Disso surgiu um sistema de exegese idealista, fecundo em aplicações bizarras, em erros e em temeridades perigosas. Esse limite foi frequentemente ultrapassado. Ainda assim, permanece verdadeiro que o ponto de partida continha princípios sólidos e fecundos. Se Clemente e Orígenes tivessem se limitado ao princípio metafísico da transcendência, tal como a Escritura e a tradição o transmitiram, e ao princípio da exegese simbólica, aplicado com prudência, teriam evitado a maioria das falhas, mais ou menos graves, que lhes foram atribuídas.

Seu erro principal foi aplicar sistematicamente à exegese o princípio da analogia, que a tradição lhes oferecia como meio de conhecer Deus na natureza e que, por outro lado, lhes parecia um princípio absolutamente geral – uma lei não apenas cosmológica, mas também histórica e moral. Em resumo, o princípio da transcendência metafísica e o princípio da exegese simbólica, quando aplicados com sabedoria, podiam gerar bons frutos. E, de fato, geraram. A tradição teológica cristã, depois de condenar os desvios do origenismo, soube, por meio de aplicações bem direcionadas, esclarecer o alcance dessas duas verdades fundamentais.

IV. OS FUNDAMENTOS DA MORAL E ANTROPOLOGIA

I. Tendências Morais do Ensino Alexandrino

Os estudos dedicados às doutrinas alexandrinas durante o século XIX foram geralmente dominados por preocupações excessivamente exclusivas. A atenção concentrou-se inteiramente no estudo de alguns dogmas – os principais, é verdade. Nos círculos racionalistas e protestantes, muito ativos nesse campo, buscou-se sobretudo determinar a exatidão ou mesmo a ortodoxia das doutrinas trinitárias e cristológicas nos autores anteriores ao Concílio de Niceia. Sob o império dessa preocupação – explicável, aliás, pela importância do tema e pelas exigências da controvérsia –, frequentemente perderam-se de vista outros temas que ocupam na literatura cristã alexandrina um lugar importante, muitas vezes preponderante.

Ora, algumas dessas doutrinas são propriamente dogmáticas, ainda que situadas na fronteira entre o dogma e a moral (como as doutrinas sobre a natureza do homem, as noções fundamentais da moral, a concepção geral das virtudes ou sua análise psicológica etc.). (Ver Capitaine, De Origenis Ethica, Münster, 1898, passim.) Outras são mais especificamente morais, como diversos temas tratados por Clemente de Alexandria no Pedagogo (aspectos da vida cotidiana, luxo, necessidades do corpo etc.) e nos Stromates (continência e casamento, martírio etc.).

Por esse método, foi sobretudo Clemente quem acabou sendo negligenciado, pois ele é, antes de tudo, um teólogo moralista. (Ver de Faye, Clément d’Alexandrie, Paris, 1898, I part., c. III; II part., p. 157-159.) Consultar também: Cognat, Clément d’Alexandrie, Paris, 1859, I, IV, c. V-IX e Winter, Die Ethik des Clemens, Leipzig, 1882. Essas observações aplicam-se menos diretamente a Orígenes. No estudo de sua obra, é natural que a atenção se volte de preferência para sua apologética, que brilha com tanto vigor em sua disputa contra Celso, para suas tentativas de dogmática sistemática – especialmente para sua brilhante concepção do Logos, que o inspira a desenvolvimentos magníficos e, às vezes, ousados –, e ainda mais para sua metafísica, cujo ápice parece dominado por algumas grandes concepções que estruturam toda a sua obra: A atividade eterna de Deus e a liberdade do homem;  A preexistência das almas e sua incorporação.

Entretanto, as preocupações apologéticas de Orígenes e suas ideias sobre o dogma trinitário estão longe de esgotar sua obra. Uma grande parte de sua metafísica diz respeito aos fundamentos da moral (ver Capitaine, op. cit.), e toda a sua psicologia se orienta para esse fim. Além disso, mais de um observador perspicaz soube reconhecer seu lugar entre os teólogos moralistas. "O interesse das homilias de Orígenes é pouco notado. Ele continua ali sendo o exegeta alegorista sistemático que sempre foi, mas o moralista e o catequista assumem uma importância maior, que deveria ser mais estudada." (Ms. Batiffol, Anciennes littératures chrétiennes; la littérature grecque, Paris, 1897, p. 123.)

Adiante, destacaremos que influência preponderante e que papel iniciador Orígenes atribuía à ética dentro de seu plano para uma enciclopédia científica.

II. DOUTRINAS MORAIS E ANTROPOLÓGICAS COMUNS A CLEMENTE E ORÍGENES

É possível identificar um certo número de pontos importantes comuns aos dois ilustres representantes da escola. Assim como firmaram os fundamentos naturais da teodiceia, também defenderam e frequentemente evidenciaram os fundamentos naturais da antropologia e da moral.

1° Antropologia

Seus escritos contêm afirmações frequentes e vigorosas sobre a dignidade humana. O homem ocupa na criação uma posição única. Para Clemente, assim como para Platão e Plutarco, ele é uma "planta celeste", uma criatura grande e bela acima de todas as outras.

Sua alma não tem origem no ato gerador: "οὐ γὰρ κατὰ τὴν τοῦ σπέρματος καταβολὴν γεγένηται." (Strom., l. VI, P. G., t. IX, col. 359.) (Ver Winter, Die Ethik des Clemens, Leipzig, 1882, p. 74-75.) Por isso, sua aversão às doutrinas epicuristas é notável.

"Clemente não pode suportar Epicuro e sua escola. Ele os exclui de seu catálogo de filósofos. Em um trecho em que enumera as opiniões dos antigos, ele exclama: ‘Epicuro é o único que eu passaria bem voluntariamente em silêncio! Foi ele quem inventou o ateísmo. Os epicuristas são os bastardos da filosofia. São eles que São Paulo tinha em mente ao advertir os colossenses para não se deixarem seduzir pela filosofia.’" (De Faye, Clément d’Alexandrie, Paris, 1898, p. 152.)

Orígenes define o homem como um "animal racional" (ζῷον λογικόν), definição e privilégio que seu discípulo Gregório de Nissa mais tarde defenderá com grande vigor. (Cf. Hilt, Des hl. Gregor von Nyssa Lehre vom Menschen, Colônia, 1890, c. ii.) Orígenes ensinou com clareza a distinção entre o corpo corruptível e a alma vivificante, consequentemente afirmando a imaterialidade e a imortalidade da alma. No entanto, encontram-se dificuldades sérias e aparentes contradições em alguns de seus textos sobre a corporeidade da alma. (Cf. Redepenning, Origenes, t. II, Bonn, 1841, p. 384; Schnitzer, Origenes über die Grundlehren der Glaubenswissenschaft, Stuttgart, 1835.)

Em vão os panteístas quiseram ver nos alexandrinos partidários da unidade de substância; em vão apoiaram suas opiniões na teoria da participação (natural ou sobrenatural). Enquanto Filon e Plotino identificavam a alma com a substância divina (cf. Haffner, Grundlinien der Geschichte der Philosophie, Mogúncia, 1881-1884, p. 238), Clemente afirma que a alma é "uma criatura do Todo-Poderoso" (κτίσμα τοῦ παντοκράτορος, Strom., III, 14, P.G., t. VIII, col. 1194). Se ele diz que participamos do Logos, essa participação é κατὰ δύναμιν e não καθ’ οὐσίαν (Capitaine, De Origenis ethica, p. 41, n. 2). Cf. Redepenning, Origenes, t. I, p. 125.

Quanto a Orígenes, nenhuma outra doutrina lhe repugna tanto quanto o monismo.

2° Liberdade moral.

Para se convencer disso, basta examinar sua defesa da liberdade humana. Clemente e Orígenes sustentaram vigorosamente a existência do livre-arbítrio, negado ou ignorado por diversas doutrinas errôneas, especialmente pelo determinismo dos gnósticos. Estes viam apenas uma diferença física entre o bem e o mal e consideravam a matéria essencialmente má. Clemente combate esse erro (Strom., Livro IV, cap. XXVI, P.G., t. VIII, col. 1372 sqq.). Como a maioria dos escritores cristãos contemporâneos, ele estabelece a realidade da nossa liberdade moral ao considerar a ideia de mérito e sanção, que se impõe espontaneamente a toda consciência humana (Strom., Livro I, cap. XVII, P.G., t. VII, col. 800). Essa insistência em afirmar a liberdade e a responsabilidade individual no homem decaído, durante a polêmica anti-gnóstica, levou até mesmo a uma doutrina talvez incompleta e obscura sobre o pecado original.

É incontestável que a noção de liberdade é fundamental no sistema de Orígenes. Ele se opõe especialmente ao determinismo gnóstico, demonstrando como o bem moral não é inato em nós e como os diversos seres espirituais possuem em comum a capacidade de se tornarem bons ou maus pelo uso do livre-arbítrio.

3° Lei natural

Por fim, encontra-se nos dois alexandrinos uma ideia que terá papel importante nos fundamentos da moral agostiniana e, posteriormente, na moral escolástica: a ideia de uma ordem natural, regra discriminante de nossas ações. Os alexandrinos já haviam reconhecido essa verdade essencial: conformar-se à ordem é conformar-se à vontade divina. Assim, Orígenes, em seu plano enciclopédico, deseja que a física tenha como objetivo o conhecimento da ordem, destinado a regular nossa conduta moral: "A disciplina natural é aquela em que se examina a natureza de cada coisa, para que nada seja feito contra a natureza na vida." (Prol. in Cant. Cantic., P.G., t. XIII, p. 75).

V. PRIMEIRAS CONCEPÇÕES DE UMA SÍNTESE TEOLÓGICA - RELAÇÃO ENTRE FÉ A RAZÃO

1. Uso da filosofia grega

Não apenas se reconhecem facilmente, na Igreja de Alexandria, correntes de opinião diversas quanto ao valor da cultura grega e à utilidade do saber profano, mas também houve os simpliciores, que demonstravam grande desconfiança em relação a essas novidades. Enquanto isso, uma elite intelectual percebia a necessidade do conhecimento profano e buscava dar-lhe um espaço legítimo no ensino enciclopédico cristão (ver E. de Faye, op. cit., parte II, caps. I-III). No entanto, é difícil estabelecer uma concordância absoluta entre os dois mais ilustres representantes da escola cristã nesse ponto delicado. Clemente e Orígenes apreciam de forma distinta a filosofia grega e estão longe de fazer o mesmo uso dela. O primeiro fala dela mais favoravelmente, enquanto o segundo lhe concede pouco crédito.

Ao menos, é certo que ambos possuíam mais que um conhecimento comum da filosofia. Isso se nota, de imediato, nas numerosas citações de Clemente. Para Orígenes (ver D. Koetschau, Origenes Werke, t. I, Leipzig, 1899, Einleitung, p. 36), esse conhecimento é atestado pelos contemporâneos, especialmente por São Gregório Taumaturgo. Mas esse conhecimento basta para fazer de Clemente e Orígenes filósofos de profissão? Foram mais filósofos que teólogos em seu método, absorvendo a ciência sagrada na ciência profana? Seria tentador acreditar nisso após uma leitura rápida de suas obras, pois nelas se encontram frequentemente teorias, ou ao menos concepções e pontos de vista que remetem à filosofia antiga, além de alusões claras aos sistemas platônicos ou estoicos. Daí vêm os inúmeros estudos realizados nos últimos cinquenta anos para distinguir a influência das diversas escolas no desenvolvimento do pensamento alexandrino. Esses estudos partem de uma inspiração semelhante à de Cousin: "Busquem na filosofia grega, e encontrarão a origem dos dogmas cristãos."

Entretanto, nessa matéria, a experiência demonstrou o perigo das conclusões precipitadas. Muitas vezes, tentou-se encontrar uma precisão ilusória ao querer vincular Orígenes a determinadas escolas filosóficas gregas. "Orígenes usou, sem dúvida, a filosofia grega para expressar suas doutrinas, não apenas adotando sua linguagem, mas também tomando dela hipóteses que serviam como cenário para suas ideias – sempre com fortes modificações. No entanto, não se deve ir longe demais e afirmar que tal ou tal doutrina foi tomada diretamente de Platão ou dos estoicos. Não, as doutrinas são dele e de seu tempo." (Denis, La philosophie d’Origène, Paris, 1884, pp. 59-61).

Essa é também, aproximadamente, a opinião do mais recente editor de Orígenes na coleção patrística publicada sob os auspícios da Academia Científica de Berlim: "Por mais que seja grego e profundamente imbuído do espírito grego, ele evita claramente se identificar com os gregos ou com esse espírito. Na verdade, em suas concepções filosóficas fundamentais, ele segue os platônicos o mais de perto possível, mas se afasta deles sempre que sua fé cristã impõe um limite intransponível. Assim, seria um erro vinculá-lo a uma escola filosófica específica." (Dr. Koetschau, op. cit., p. 38). Harnack faz a mesma observação (Dogmengeschichte, t. I, p. 516).

Independentemente da indulgência dessas avaliações sobre a ortodoxia de Orígenes, elas são extremamente justas quanto à dificuldade de estabelecer, nele (e, em geral, nos alexandrinos), uma filiação doutrinária historicamente e filosoficamente exata. Às vezes, sua terminologia, embora remeta a metáforas simbólicas usadas em certos sistemas filosóficos, emprega essas expressões apenas como cenário, sem realmente expressar ideias estranhas ao cristianismo. Outras vezes, trata-se de uma terminologia comum ao meio letrado em que viveu, possivelmente inspirada por ideias filosóficas, mas não definida conforme as exigências rigorosas da dedução e da sistematização.

Por fim, mesmo que se estabeleça com clareza a influência de uma doutrina filosófica, ainda é necessário perguntar se esse sistema racional, de origem humana, entra na estrutura do ensino catequético como uma fonte ou apenas como um instrumento. Em termos precisos, os sistemas racionais são mais instrumentos do que fontes da exposição teológica. Ver: A. de la Barre, La vie du dogme catholique, Paris, 1898, parte II, cap. III, IV. Se se quiser afirmar, como fazem vários manuais de teologia fundamental, que a filosofia profana é uma fonte da teologia cristã, é necessário fazer as devidas reservas lógicas e explicações necessárias.

II. NATUREZA DA SÍNTESE TEOLÓGICA DOS ALEXANDRINOS

Não se pode, portanto, apoiar-se na história da filosofia pagã para secularizar completamente a síntese teológica que Clemente e Orígenes tentaram executar. Não se pode legitimamente considerá-la como uma mera redução do divino ao humano, uma absorção da teologia sobrenatural na teologia natural e profana. Será ao menos uma síntese definida segundo um método racional? Será apenas uma enciclopédia? Os alexandrinos certamente compartilhavam as aspirações de seu meio científico: visavam ao saber enciclopédico e queriam colocar a crença cristã no centro desse saber. Mas ainda possuíam apenas planos gerais e formulavam sobre o método apenas princípios muito gerais. É prudente não forçar seu pensamento tentando precisar demais. Não se deve atribuir-lhes visões sistemáticas e complexas sobre a existência de um método teológico, mas apenas constatar e definir uma certa conexão que pretendem estabelecer entre as ciências humanas e a ciência divina.

Essa conexão se apresenta de duas formas: ora concebem a enciclopédia profana como um caminho, um preâmbulo para a verdadeira sabedoria; ora, considerando as verdades da fé como princípios de síntese, ligam a elas as verdades humanas. Ou ainda, usando outra metáfora, é sobre o fundamento da fé que erguem o edifício da gnose. Assim, o segundo método enciclopédico corresponde bastante ao que nossos manuais de teologia chamam de usus rationis post fidem (uso da razão após a fé). É a inteligência da fé como a entenderam Santo Agostinho, São Cirilo de Alexandria, Santo Anselmo, etc. (ver Hurter, Theolog. gener., Innsbruck, 1880, t. I, n. 220, 657-658).

O primeiro método (a ciência humana vista como preâmbulo) se relaciona, ainda que de forma mais imperfeita, com nossos métodos contemporâneos de apologética, usus rationis ante fidem (uso da razão antes da fé).

1° Ponto de Vista: As Ciências Humanas como Caminho e Preâmbulo

Esse é o ponto de vista frequentemente adotado por Clemente, especialmente em Stromata, I,  c. XX, PG VIII, col. 813, sobre como a filosofia é útil para alcançar a verdade divina. Por outro lado, Orígenes concebe o conjunto do conhecimento distribuído em três níveis: Ética (moral); Natural (física); Teórica (contemplativa).

“A disciplina moral ensina uma maneira honesta de viver e prepara as instituições voltadas para a virtude. A disciplina natural examina a natureza de cada coisa, para que nada na vida seja contrário à natureza… A disciplina contemplativa é aquela pela qual, ultrapassando o visível, contemplamos as coisas divinas e celestes, olhando para elas apenas com a mente, pois superam a visão corporal.” (Prolog. in Cant. Cant., PG t. XIII, p. 75). Sobre essa concepção enciclopédica, notável pelo ponto de vista ao mesmo tempo dogmático e moral que a domina, ver Capitaine, De Origenis ethica, Münster, 1898, p. 12-13.

Em resumo, esse método, tanto para Orígenes quanto para Clemente, é um método ascendente, que parte do visível e do criado para elevar-se ao invisível e ao incriado. Encontramos essa ideia em Santo Tomás e em seu mestre, Alberto Magno. Somos conduzidos, como que pela mão, do visível ao invisível (manuductio). Ver especialmente Santo Tomás (Opusc. LXIII, q. II, a. 3):

“Na ciência da fé, que trata de Deus, é permitido utilizar raciocínios físicos?... Pois, assim como nas coisas imperfeitas há uma imitação, ainda que imperfeita, das perfeitas, assim também, nas coisas conhecidas pela razão natural, há certas semelhanças das que são transmitidas pela fé. Do mesmo modo que a doutrina sagrada se fundamenta na luz da fé, a filosofia se fundamenta na luz da razão. Portanto, é impossível que o que pertence à filosofia seja contrário ao que pertence à fé; mas é deficiente em relação a ela. Contém, no entanto, certas semelhanças e alguns preâmbulos dela, assim como a natureza é um preâmbulo para a graça.” (Opera, Parma, 1865, t. XVII, p. 362).

A mesma ideia de uma enciclopédia onde as ciências humanas desempenham o papel de introdutoras e fornecem o preâmbulo natural da ciência sagrada é retomada um pouco mais adiante pelo Doutor Angélico:

“As ciências que possuem uma relação de ordem entre si, assim se relacionam que uma pode utilizar os princípios da outra… Assim, a metafísica, que está acima de todas, utiliza-se do que foi provado nas outras ciências. Do mesmo modo, a teologia, uma vez que todas as outras ciências são como que servas e preâmbulos na via do conhecimento, ainda que sejam inferiores em dignidade, pode usar os princípios de todas as outras.” (ibid., ad 7).

Ver essa mesma ideia em Alberto Magno (Opera omnia, Paris, 1896, t. XII, p. 2), onde as ciências profanas são vistas como gradus et manuductiones ad speculationem divinam (degraus e conduções à especulação divina). Finalmente, essa ideia é fundamental em São Boaventura e nos escritores da Escola de São Vítor.

É evidente que, para todos esses escritores, essa noção de uma enciclopédia como preâmbulo da fé (manuductio) não deve ser confundida com os preâmbulos no sentido da apologética moderna. Este último ponto de vista, quando mencionado, por exemplo, por Santo Tomás, é cuidadosamente distinguido dos demais.

“Na doutrina sagrada, podemos utilizar a filosofia de três maneiras. Primeiro, para demonstrar as coisas que são preâmbulos da fé… Segundo, para esclarecer, por meio de algumas semelhanças, as coisas que pertencem à fé, assim como Santo Agostinho, nos livros sobre a Trindade, utiliza muitas analogias extraídas das doutrinas filosóficas para manifestar a Trindade. Terceiro, para refutar as objeções contra a fé, seja demonstrando que são falsas, seja mostrando que não são necessárias.” (Loc. cit.).

A ideia de "manudução" é expressa de forma muito clara por Clemente. Encontramos essa noção na mesma forma que no trecho citado do opúsculo de São Tomás: as ciências humanas precedem a fé em certa ordem de aquisição, quasi famulantes et praeambule in via generationis. Esse é o sentido da famosa alegoria de Agar, que Filon provavelmente já havia popularizado na escola judaico-alexandrina e que se tornou clássica na escola cristã. Agar representa a ciência humana; Sara, a ciência divina. Primeiro, era necessário que Abraão tivesse um filho da serva, antes de ter um da senhora:

"Aquele que recebeu a cultura preliminar, προπαιδευθέντα, pode então abordar a sabedoria, mãe e mestra, διδάσκαλον, pela qual se propagará a descendência de Israel. Assim, percebe-se a possibilidade de adquirir didaticamente a sabedoria à qual chegou Abraão, elevando-se da contemplação dos astros à fé e à justiça que estão em Deus. Podemos dizer, então, que a cultura preliminar, προπαιδεία, preparando o repouso que há em Cristo, é um treino para o espírito, γυμνασία τοῦ νοῦ, um estímulo da inteligência, συνασκέω, que produz esse refinamento espiritual, naturalmente inquisitivo, por meio da verdadeira filosofia: filosofia que os iniciados possuem, tendo-a encontrado ou, mais precisamente, recebido da própria verdade." (Stromates, l. I, c. V, P.G., t. VIII, col. 723, 727)

Esse é também um dos significados — e provavelmente o significado original — da famosa fórmula Philosophia ancilla theologiae ("A filosofia é serva da teologia"). Clemente parece ter sido o primeiro a popularizá-la no programa dos estudos cristãos. (Ver Petau, Theologiae dogmata, Prolegomena, cap. IV, n. 4, 5).

2º Ponto de Vista: A Fé como Princípio, Ponto de Partida e Fundamento

Esse ponto de vista também é muito comum em Clemente. Ele afirma, por exemplo, que o conhecimento derivado da fé é o mais seguro de todos (Stromates, l. II, c. XI, P.G., t. VIII, col. 984). Isso, no entanto, não impede de levar em conta os motivos de credibilidade e de esboçar sua teoria, especialmente em Stromates, l. I, c. XX, ibid., col. 813, ao discutir de que maneira a filosofia auxilia na obtenção da verdade divina. Na mesma perspectiva, e sem excluir o uso prévio da razão, Orígenes afirma a certeza fundamental da fé. Ambos falam de uma gnose edificada sobre a fé. Eles distinguem a fé simples, πίστις, e a fé precisada, enriquecida e desenvolvida pelo conhecimento humano. Parte-se da πίστις para chegar à γνῶσις. Essa concepção da gnose cristã, vista como um desenvolvimento da fé, tornou-se posteriormente a de Santo Anselmo, Santo Agostinho e dos escolásticos. (Ver Didiot, Logique surnaturelle subjective, Paris, 1891, p. 254 e seg., teorema LX: "A teologia é a evolução vital e, ao mesmo tempo, científica da fé, tendo com esta a relação de um efeito com sua causa e reconhecendo sua verdadeira subordinação moral em relação a ela.")

Em Clemente e outros antigos, especialmente São Basílio, essa teoria da fé sobrenatural se combina com outra teoria análoga e paralela no campo natural. Também aí a fé, ou seja, a adesão aos primeiros princípios, se torna o fundamento da ciência. É essa fé, essa adesão aos primeiros princípios, que alguns escritores modernos preferem chamar de "crença". (Ver os textos patrísticos em Petau, Dogmata theologica, Prolegomena, c. VIII, n. 2; e, especificamente sobre Clemente, em J. Cognat, Clément d’Alexandrie, sa doctrine et sa polémique, Paris, 1859, p. 183 e seg. Ver também a explicação dessa perspectiva em Kleutgen, La philosophie scolastique, trad. Sierp, Paris, t. II, p. 400. Para a visão aristotélica e moderna sobre o tema, ver Ollé-Laprune, La certitude morale, p. 217-218, e o uso dos termos "sentimento" e "crença" em escritos como os de Claude Bernard e A. de la Barre, Certitudes scientifiques, Paris, 1897, p. 36, 45).

VI. PRIMEIRAS TENTATIVAS DE EXPOSIÇÃO SISTEMÁTICA DOS MISTÉRIOS . A TEOLOGIA DO VERBO

Os alexandrinos foram menos bem-sucedidos em suas tentativas de exposição dos principais mistérios. Embora tenham fornecido à teodiceia muitas concepções importantes, sua terminologia deve ser abordada com cautela no estudo da doutrina trinitária e da cristologia. Além disso, nesses pontos cruciais, uma exposição geral seria insuficiente e até enganosa. Clemente e Orígenes, os únicos mestres que conhecemos, não podem ser resumidos em uma única doutrina homogênea. Devemos nos limitar a alguns aspectos específicos mais relevantes e a indicações gerais que posteriormente poderão ser complementadas por monografias especializadas.

I. A TEOLOGIA DO VERBO

Que os mais ilustres representantes da escola catequética tenham professado claramente a fé ortodoxa quanto à divindade de Jesus Cristo é algo incontestável. Clemente é categórico nesse ponto. Veja-se, sobretudo, o elogio ao Verbo que encerra o capítulo X do Protrepticos: “Nosso purificador e salvador cheio de doçura, o Verbo divino, manifestamente e realmente Deus (φανερως και αληθως Θεος), igual ao Senhor do universo (τω δεσποτη της οικουμενης ισοτιμος), pois era seu Filho e o Verbo estava em Deus, etc.” Também são relevantes as eruditas controvérsias de Bull (Defensio fidei Nicaenae, Pavia, 1784, t. 1, p. 299, sect. II, c. V; ibid., t. II, p. 28, sect. III, c. II). No entanto, alguns procuraram apoiar-se em outras passagens para identificar em Clemente vestígios de subordinacionismo. Os protestantes Bull e Dorner rejeitam completamente essa interpretação. Já Huet a aceita. Redepenning, também protestante, adota uma solução intermediária. Schwane afirma: “O Filho é elevado acima de todas as coisas criadas e finitas, sendo incluído na categoria do divino nos escritos do alexandrino. No entanto, Clemente vê em sua relação com o Pai uma subordinação e ainda não alcança uma concepção perfeita do dogma da Trindade.” (História dos Dogmas, tradução Belet, Paris, 1886, t. 1, p. 146) Essas incertezas só podem ser esclarecidas por um estudo aprofundado sobre a questão subordinacionista.

A linguagem de Orígenes e de seus sucessores também apresenta aparentes contradições e pontos obscuros. Longe de considerar o Filho de Deus uma criatura, ele o chama de “Unigênito” e “Primogênito da criação”. Por exemplo, em Contra Celso, c. III, n. 37 (P.G., t. XI, col. 1239). Pela forma como defende a divindade do Salvador (ibid., c. III, n. 27, 41), fica evidente que, para ele, esse é o ponto mais essencial da fé. No entanto, suas explicações imprecisas ou até errôneas acabam por situar o Filho em uma posição intermediária, onde sua divindade parece ser apenas uma derivação. Por isso, Padres e escritores subsequentes o acusaram de ateísmo. Em sua 64ª heresia, n. 73 (P.G., t. XLI, col. 1197), referente à heresia de Orígenes, São Epifânio o compara a uma serpente venenosa. São Tomás diz sobre ele: “Os que beberam da fonte de Orígenes afirmaram que o Filho é distinto do Pai em substância.” (Suma Teológica, I, q. XXXIV, a. 1)

No entanto, para interpretar corretamente muitos trechos, é essencial considerar a posição de Orígenes diante das heresias de Sabélio e de Bérylle. Ele se via obrigado a enfatizar a personalidade distinta do Verbo e, nessa tentativa, exagerava os laços de origem, o que resultava em expressões subordinacionistas. O mesmo se aplica evidentemente aos alexandrinos posteriores. Deve-se sempre lembrar da disseminação do sabelianismo por volta do século III, sua penetração na Alta Líbia, na Pentápole e, em particular, na diocese de Alexandria. O mais ilustre dos sucessores de Orígenes, o bispo Dionísio, em sua obra dirigida a Armódio e Eufanor (hoje perdida), buscou afirmar com força e clareza a personalidade distinta e eterna do Verbo encarnado. Porém, caiu na exageração típica de seus contemporâneos. Naquele tempo, era difícil encontrar uma formulação precisa o suficiente para rejeitar direta e explicitamente todas as heresias possíveis. O que São Basílio, um século depois, escreveu sobre Dionísio de Alexandria pode ser aplicado, em maior ou menor grau, a vários apologistas anteriores ao Concílio de Niceia: “Não admiramos tudo o que esse grande homem escreveu. Pelo contrário, há certos pontos que rejeitamos. Pois foi ele o primeiro, tanto quanto sabemos, a semear as raízes da doutrina anomoeana que agora se espalha. O erro, em minha opinião, não está em uma perversão da doutrina (ου πονηρια γνωσεως), mas em um zelo excessivo contra os sabelianos. Quando um jardineiro quer endireitar uma planta, ele a inclina para o lado oposto.” Notamos nele algo semelhante. Em seu ataque fervoroso contra a impiedade líbia, ele não percebeu que um zelo excessivo o fazia exagerar no sentido oposto. — Epist., IX, P. G., t. XXXII, col. 267.

Essa passagem é notável quando se conhecem as doutrinas e tendências de São Basílio, sua antipatia pelos excessos do alegorismo alexandrino e sua desconfiança em relação à intrusão da filosofia grega nos escritos dos teólogos contemporâneos. No entanto, sem atribuir ao bispo Dionísio uma dessas falhas específicas, ele apenas o acusa de zelo excessivo na resistência a Sabélio.

II. ESTUDOS SOBRE AS INFLUÊNCIAS PLATÔNICAS

A posteridade não foi tão justa com a escola alexandrina. Ora a acusaram de ter se deixado corromper pela infiltração platônica, assim como mais tarde a escolástica se deixaria penetrar e alterar pelo aristotelismo. Ora tentaram confundi-la com o origenismo. Ao tentar reabilitar este último e mostrar que todo o movimento teológico da Idade Média surgiu de uma dupla fonte — o origenismo e o areopagitismo —, tornou-se fácil lançar sobre a Igreja Católica a culpa pela condenação de Orígenes. Ao mesmo tempo, a Igreja parecia ter falhado em discernimento e se deixado invadir, de maneira ingênua, pelos próprios erros que condenava. Foi com esse objetivo que, nos últimos dois séculos, diversas escolas protestantes e racionalistas trabalharam para propagar esse conjunto de teses. Para isso, frequentemente usaram uma ambiguidade. Bastou constatar algumas doutrinas comuns, em psicologia ou teodiceia natural, para insinuar uma influência mais profunda, uma verdadeira filiação, onde os dogmas católicos teriam se originado.

Esse movimento data, sobretudo, da publicação do livro de Souverain, Le Platonisme dévoilé, ou essai touchant le Verbe platonicien, Colônia (Amsterdã), 1700. Essa obra causou grande alvoroço e gerou intensas polêmicas, pois afirmava que a doutrina cristã já estava profundamente corrompida, nos tempos de Adriano e Inácio, pela impura mistura da filosofia, e que, portanto, só poderia ser encontrada em sua pureza original nas Sagradas Escrituras. Após a resposta de F. Baltus, Défense des SS. Pères accusés de platonisme, Paris, 1716, seguiu-se uma acirrada polêmica, da qual participaram Mosheim (De turbata per recentiores Platonicos Ecclesia, Jena, 1725), Keil (De causis alieni Platonicorum a religione Christiana animi, 1785) e (De doctoribus veteris Ecclesiae culpa corrupte per Platonicas sententias theologiz liberandis, Opuscula academica, edição Goldhorn, Leipzig, 1821).

Na França, durante o século XIX, dois homens impulsionaram esse movimento de ideias: M. Cousin, com seus estudos sobre a filosofia neoplatônica, e M. Vacherot, com sua célebre Histoire critique de l'École d'Alexandrie, Paris, 1846-1851. Uma famosa controvérsia entre M. Vacherot, diretor da École Normale, e o Pe. Gratry, capelão da mesma instituição, seguiu-se à publicação desta última obra. Não cabe a este artigo discutir e resolver o problema das influências platônicas ou neoplatônicas. Ver PLATONISMO.

I. HISTÓRIA GERAL DA ESCOLA CATEQUÉTICA: HOMENS, EVENTOS, ORGANIZAÇÃO

H. E. F. Guerike, De schola quae Alexandriæ floruit catechetica, commentatio historica et theologica, Pars prior de externa scholae historia, Halle, 1824-1825. C. F. W. Hasselbach, De schola quae Alexandriæ floruit catechetica, Stettin, 1826-1839. Ch. Kingsley, Alexandria and her Schools, Cambridge, 1854. Ch. Bigg, The Christian Platonists of Alexandria; Eight lectures preached before the University of Oxford in the year 1886, Oxford, 1886. De Faye, Clément d'Alexandrie, Étude sur les rapports du christianisme et de la philosophie grecque au IIᵉ siècle, Paris, 1898, Introdução.

Cf. também: Hasselbach, De catechumenorum ordinibus, Stettin, 1839. Schnitzer, Origenes über die Grundlehren der Glaubenswissenschaft, Stuttgart, 1835. Redepenning, Origenes, eine Darstellung seines Lebens und seiner Lehre, Bonn, 1841, t. I, l. I. Matter, Histoire de l'École d'Alexandrie, Paris, 1845. J. Simon, Histoire de l'École d'Alexandrie, Paris, 1845. E. Vacherot, Histoire critique de l'École d'Alexandrie, Paris, 1846-1851.

II. SOBRE O ESTADO DAS MENTES NO MUNDO GRECO-ROMANO E O PAPEL DA REAÇÃO CRISTÃ

J. Denis, Histoire des théories et des idées morales dans l'Antiquité, Paris, 1856, p. 255: Epicuro e Zenão. F. Ravaisson, Essai sur le stoïcisme, Paris, 1885. J. Döllinger, Heidenthum und Judenthum, Ratisbona, 1867, passim. Gaston Boissier, La religion romaine d'Auguste aux Antonins, Paris, 1874 (ver principalmente: t. II, c. III, La philosophie romaine après Auguste; c. VI, La philosophie après Sénèque; c. VII, La théologie romaine). T. W. Allies, The Formation of Christendom, Londres, 1875, t. III (ver principalmente: c. XVI, Neostoicism and the Christian Church; c. XVII, XVIII, XIX, Neopythagorism, etc.; c. XXI, The respective power of Greek philosophy and the Christian Church to construct a society, etc.). Ch. Bigg, op. cit., lect. VII. F. Ogereau, Essai sur le système philosophique des stoïciens, Paris, 1885. E. de Pressensé, L'ancien monde et le christianisme, Paris, 1887, l. IV: Le paganisme gréco-romain et sa décadence. Fr. Ueberweg, Grundriss der Geschichte der Philosophie des Altertums, Berlim, 1894, p. 312-359: Dritte Periode der griechischen Philosophie. Adolf Harnack, Lehrbuch der Dogmengeschichte, t. I, Friburgo, 1894: Geschichtliche Orientierung, p. 302 e seguintes, e Clemens und Origenes, p. 590-648. M. Talamo, Le Origini del Cristianesimo e il pensiero stoico, Roma, 1892. Chollet, La morale stoïcienne et la morale chrétienne, Paris, 1898. Ver ainda: De Faye, op. cit., IIª parte: La question historique. Redepenning, loc. cit.

III. SOBRE A TEODICEIA, A ANTROPOLOGIA E A MORAL DOS ALEXANDRINOS

(Essas referências se limitam aos pontos tratados neste artigo.)

— H. E. F. Guerike, De schola quae Alexandriæ floruit catechetica, Halle, 1825, Parte posterior (Teologia de Deus em geral, p. 125–131, 182–197, 313–319, 333–336; Antropologia, p. 139–144, 228–237; Ética, p. 403–448); J. Simon, obra citada; E. Vacherot, obra citada; Freppel, Clément d’Alexandrie, Paris, 1866, e Origène, t. 1, Paris, 1875, 2ª edição; J. Schwane, Histoire des dogmes, t. 1, tradução de Belet, Paris, 1886, § 17, Teodiceia de Clemente; § 21, Teodiceia de Orígenes; § 56–57, Doutrinas antropológicas de Clemente e de Orígenes; Ch. Bigg, The Christian Platonists of Alexandria, Oxford, 1886 (O método de análise ou método negativo, p. 62–66; O livre-arbítrio segundo Clemente, p. 78–80; Moral de Clemente, p. 83–100; Alegorismo, p. 134–152; A natureza de Deus segundo Orígenes, p. 157–161); P. Ueberweg, Grundriss der Geschichte der Philosophie der patristischen und scholastischen Zeit, Berlim, 1898, § 13: Clemente de Alexandria e Orígenes; Adolf Harnack, obra citada.

— Encontram-se referências frequentes e indicações bibliográficas relativas à comparação entre Clemente e Orígenes em Guill. Capitaine, De Origenis ethica, Münster, 1898. Ver também avaliações relativas a essa mesma comparação em Denis, La philosophie d’Origène, Paris, 1884, Teologia, p. 63; Antropologia, p. 217.

— H. Huet, Origeniana, Patrologia Graeca, t. XVII, obra importante, mas limitada à monografia de Orígenes.

Encontram-se, para a comparação dessas doutrinas racionais com o ensino tradicional e escolástico, exposições didáticas e muitas referências em: Petau, Theologica dogmata, Paris, 1644, l. I, c. v; l. II, c. viii, n. 16; l. III, c. ix; Mons. Ginoulhiac, Histoire du dogme catholique, Paris, 1866, l. I, c. I, II, VI, VII; l. II, c. v, sobre a natureza divina e seus atributos; L. de San, Tractatus de Deo uno, t. 1, Louvain, 1894, parte I, c. iii, sobre o conhecimento de Deus, e parte III, c. III, sobre a onipresença; Franzelin, Tractatus de Deo uno, Roma, 1876, l. I, c. ii, teses VI, VII, sobre o conhecimento de Deus; Stentrup, Praelectiones dogmaticae de Deo uno, Innsbruck, 1878, p. 341–347, sobre a onipresença.

A. DE LA BARRE.